https://cdn.codiehost.com.br/xsites/osy53p0p.zoy.pnghttps://cdn.codiehost.com.br/xsites/osy53p0p.zoy.png

Transparência e Eficiência no Processo Judicial

A AJB Administração Judicial atua em auxílio ao poder judiciário na gestão de processos de recuperação judicial, falência e insolvência. Nossa equipe especializada realiza o levantamento econômico-financeiro das empresas envolvidas, fornecendo subsídios técnicos para a decisão dos magistrados.

Com um trabalho pautado na seriedade e no rigor técnico, também atuamos na administração de inventários, penhoras e demais processos que envolvem a preservação de patrimônio e a garantia de direitos dos credores.

Saiba mais sobre nós
Atuação Técnica e Especializada

Atuação Técnica e Especializada

Gestão de processos de insolvência, inventários, efetivação de penhoras e perícias contábil e tributária.

Compromisso com a Transparência

Compromisso com a Transparência

Informações acessíveis para magistrados, credores e empresas, garantindo segurança jurídica.

Auxílio ao Poder Judiciário

Auxílio ao Poder Judiciário

Análises contábeis e financeiras para auxílio de magistrados na prolação de decisões judiciais.

Acessibilidade aos Processos

Acessibilidade aos Processos

Publicação ágil e transparente de documentos, editais e decisões para credores e partes envolvidas.

Serviços

Gestão Jurídica Especializada

Nossa missão: Assegurar a correta administração dos processos judiciais, garantindo que todas as partes envolvidas tenham acesso à informação com clareza e agilidade.

Perícia Contábil e Tributária
Perícia Contábil e Tributária

Elaboramos perícias contábeis e tributárias nos âmbitos judicial e extrajudicial.

Saiba maisArrow Right
Recuperação Judicial e Falência
Recuperação Judicial e Falência

Administramos processos de recuperação judicial e falência, realizando análises contábeis e jurídicas para auxiliar o Poder Judiciário, desde a Constatação Prévia até a liquidação de ativos.

Saiba maisArrow Right
Inventários e Penhoras
Inventários e Penhoras

Administramos bens inventariados e penhorados, organizando documentos e intermediando o processo com o Judiciário de forma ágil e segura.

Saiba maisArrow Right
Mediação
Mediação

Atuamos na mediação de conflitos empresariais, sucessórios, familiares e civis.

Saiba maisArrow Right

Artigos

A recuperação judicial e a tributação do deságio - COSIT 74/25

06/10/2025 - 22:30

A recuperação judicial e a tributação do deságio - COSIT 74/25

Por Adriano Henrique Baptista e Juarez Arnaldo Fernandes


As sociedades empresariais, ao passarem por determinada crise econômico-financeira, por vezes se valem do instituto da recuperação judicial, previsto na lei 11.101/05, como um meio legítimo para se obter o soerguimento da sua atividade.

É ainda mais comum que, no plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor, seja concedido um deságio sobre as dívidas da atividade empresarial. Apenas para exemplificar, se a dívida originária de determinado credor é de R$ 100.000,00 (cem mil reais), pode ser que a dívida a ser paga pelo devedor, seguindo-se o plano de recuperação judicial, se dê com um deságio de 50% que, em nosso exemplo, equivaleria a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

Entretanto - e agora adentrando-nos no tema deste artigo de opinião -, a solução de consulta COSIT 74/251, publicada pela Receita Federal, surpreende por tratar o deságio concedido por credores (no nosso caso-exemplo, de R$ 50.000,00) como receita tributável para fins de IRPJ e CSLL.

A interpretação parte do pressuposto de que, quando o credor aceita por receber um valor inferior ao da sua dívida originária, o devedor estaria auferindo um "ganho patrimonial". O raciocínio, todavia, é contraditório: parte de um prejuízo real para se extrair dele uma obrigação tributária. A decisão não apenas ignora o contexto da concessão do deságio, como subverte a função da própria recuperação judicial, violando os fundamentos da justiça fiscal.

O princípio da legalidade tributária, previsto no art. 150, inciso I, da Constituição Federal, é absolutamente claro ao dispor que não se pode exigir tributo não previsto em lei.

Por sua vez, o CTN define, em seu art. 43, define o fato gerador do imposto de renda como a "aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica", complementando-se pelos incisos subsequentes que estabelece que a renda é o "produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos" ou, ainda, "acréscimos patrimoniais não compreendidos" na definição anterior.

Na acepção de Leandro Paulsen2: A renda é o acréscimo patrimonial produto do capital ou do trabalho. Proventos são os acréscimos patrimoniais decorrentes de uma atividade que já cessou. "Acréscimo patrimonial", portanto, é o elemento comum e nuclear dos conceitos de renda e de proventos, ressaltado pelo próprio art. 43 do CTN na definição do fato gerador de tal imposto. E afirma, ademais, que "o legislador ordinário não pode extrapolar a amplitude de tais conceitos, sob pena de inconstitucionalidade".

O deságio, longe de ser uma espécie de acréscimo patrimonial, deve ser compreendido como uma renúncia parcial de crédito do credor, jamais podendo ser entendido, jurídica e contabilmente, como renda ou proventos de qualquer natureza, e o Fisco Federal, ao considerar o deságio como fato gerador do IRPJ e CSLL, extrapola seu papel de intérprete e cria obrigação sem respaldo legislativo, violando o princípio da legalidade tributária.

O plano de recuperação judicial, para que possa ser devidamente aprovado em assembleia de credores, depende do preenchimento de determinado quórum a depender da classe de cada crédito, nos termos do art. 45 da lei 11.101/05, utilizando-se o princípio majoritário.

Em outros termos, nem todos os credores que sofreram deságio em suas dívidas necessitam aprovar o plano de recuperação judicial, pois ainda há a possibilidade de o plano ser aprovado pelo Juízo sem que se chegue ao quórum necessário (cram down).

O problema surge, assim, quando se entende que o deságio é um ato voluntário de liberalidade - e não é. Trata-se, em verdade, de uma tentativa de preservar algum retorno, mesmo que parcial, diante de um cenário de inadimplência iminente, o que reforça, por meio do art. 47 da lei 11.101/05, que a finalidade do processo recuperacional é justamente a preservação da empresa e de sua função social.

Portanto, penalizar o devedor com a incidência de IRPF e CSLL sobre o deságio das dívidas de titularidade dos credores é contrariar a lógica da recuperação judicial.

Sob o ponto de vista tributário, também não há como sustentar a incidência do imposto, pois a tributação de valores que não ingressam no patrimônio do contribuinte afronta o artigo 43 do CTN, que exige disponibilidade de riqueza. Ainda mais grave é o fato de a Receita pretender tributar o deságio no momento da homologação do plano, ignorando que os pagamentos - se ocorrerem - serão parcelados e incertos, ferindo essa antecipação o regime de caixa, a razoabilidade e o equilíbrio da tributação sobre fatos efetivos, e não hipotéticos.

Conforme ensina Andrade Junior quanto ao deságio, entende-se que "se trata de desconto, de decréscimo de valor concedido a outrem e que não constitui acréscimo patrimonial e, quiçá, renda"3, estando na mesma toada o saudoso mestre Geraldo Ataliba4: "o conceito de receita refere-se a uma espécie de entrada. Entrada é todo o dinheiro que ingressa nos cofres de uma entidade. Nem toda entrada é receita. Receita é a entrada em que passa a pertencer à entidade. Assim, só se considera receita o ingresso de dinheiro que venha a integrar o patrimônio da entidade que a recebe", razão pela qual a pretensão fiscal não se sustenta nem sob a ótica jurídica, nem sob a perspectiva econômica.

Ainda, Minatel5 na mesma linha, elucida com precisão que"[...] nem todo ingresso tem natureza de receita, sendo imprescindível para qualificá-lo o caráter de definitividade da quantia ingressada, o que não acontece com valores só transitados pelo patrimônio da pessoa jurídica, pois são por ela recebidos sob condição [...] Há momentânea disponibilidade, é inegável, mas não com o definitivo animus rem sibi de titular, de dono, de proprietário, e sim com animus de devedor, de responsável, de obrigado", e Carvalho, ao acrescentar o conhecimento sobre o tema, define que "receita é o acréscimo patrimonial que adere definitivamente ao patrimônio da pessoa jurídica"6.

Portanto, para Andrade Junior, Ataliba, Minatel e Carvalho, só há receita quando o ingresso financeiro representa um efetivo acréscimo de riqueza, que se incorpora, sem condição, ao patrimônio jurídico da entidade.

Esse também é o entendimento do STF, ao deixar assentado, no julgamento do RE 606.107/RS, que o conceito jurídico de receita - acolhido pela Constituição - não se confunde com a noção contábil, afirmando que: "receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições".7

Ainda que se alegue que o deságio configura acréscimo patrimonial para o devedor - e não para o credor - tal entendimento também se mostra insustentável. O deságio homologado em recuperação judicial não representa ingresso efetivo de ativos, mas tão somente uma redução contábil do passivo, dependente do cumprimento incerto e parcelado do plano aprovado. Não há disponibilidade econômica nem jurídica, como exige o art. 43 do CTN, tampouco liquidez que caracterize receita.

Neste horizonte é o entendimento de Andrade Junior8 ao destacar que:  mesmo após o transcurso do lapso temporal e com a redução do passivo pela aprovação do plano de recuperação judicial, não há que se falar em tributação pelo IRPJ e CSLL, eis que esvaziado o critério material da incidência tributária, uma vez que o deságio aprovado não possui condão de riqueza nova e positiva no patrimônio da recuperada".

A simples reclassificação contábil de um valor inadimplido como "perdoado" não transforma automaticamente uma perda em riqueza, e forçar essa interpretação desvirtua a própria lógica da recuperação judicial e impõe tributação sobre uma ficção.

A operação envolvendo o deságio é, na substância, uma perda parcial de crédito, formalizada sob supervisão judicial, e considerá-la receita apenas por constar de um plano homologado é dar mais valor à aparência do que à essência. Trata-se, na prática, de uma tentativa de impor uma realização tributária forçada, sem respaldo legal, e que ignora completamente a materialidade do fato gerador, comprometendo esse tipo de formalismo a justiça fiscal e distorcendo o conceito de renda.

Além disso, a tentativa de justificar a tributação com base na cláusula antielisiva do art. 116, parágrafo único, do CTN também merece atenção. Essa norma se destina a impedir planejamentos artificiais, o que não é o caso, sabendo que o deságio negociado em uma recuperação judicial é real, necessário e aprovado por juízo competente, enquadrá-lo como elisão se torna uma leitura forçada que desvirtua a finalidade da norma e introduz insegurança em negociações legítimas e transparentes.

Se a interpretação da Receita Federal for mantida, o impacto será profundamente negativo sobre o funcionamento da recuperação judicial, além do que, ao tributar aquilo que é na verdade uma renúncia - por vezes não opcional - do credor, o Fisco cria um obstáculo adicional à adesão de credores a planos de reestruturação.

Em vez de estimular soluções negociadas para empresas em crise, desincentiva a cooperação e agrava o ambiente de incerteza, sendo necessário a intervenção do Poder Judiciário para corrigir esse desvio interpretativo, reafirmando os limites constitucionais da tributação e restaurando a segurança jurídica - tal como assegurado no caput do art. 5º da Constituição Federal.

_______

1 O deságio (haircut) obtido pelo devedor no âmbito da recuperação judicial equivale a uma insubsistência ativa, cuja receita deve ser reconhecida, e oferecida à tributação, quando da homologação do plano de recuperação judicial. Esse é o instante em que se considera definitivamente constituída a situação jurídica que deu ensejo à renda auferida pelo devedor e, como tal, momento da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária.

2 PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 13. Ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022, p. 436.

3 ANDRADE JUNIOR, Gilberto. A tributação pelo imposto de renda da pessoa jurídica optante pelo lucro real e do deságio na recuperação judicial. Revista de Direito Tributário Contemporâneo. vol. 27. ano 5. p. 147.São Paulo: Ed. RT, nov.-dez./2020.

4 ATALIBA. Geraldo. Estudos e Pareceres de direito tributário. In Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. I, p. 81

5 MINATEL, José Antonio. Conteúdo do conceito de receita e regime jurídico para sua apuração. São Paulo: MP Editora, 2005. p. 101.

6 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método - 8ª. ed. -São Paulo:Noeses, 2021, p. 844

7 STF, Pleno, Relatora Min. Rosa Weber, DJe nº 103, divulgado em 31/05/2013. (...) V - O conceito de receita, acolhido pelo art. 195, I, "b", da Constituição Federal, não se confunde com o conceito contábil. Entendimento, aliás, expresso nas Leis 10.637/02 (art. 1º) e Lei 10.833/03 (art. 1º), que determinam a incidência da contribuição ao PIS/PASEP e da COFINS não cumulativas sobre o total das receitas, "independentemente de sua denominação ou classificação contábil". (...) A contabilidade constitui ferramenta utilizada também para fins tributários, mas moldada nesta seara pelos princípios e regras próprios do Direito Tributário. Sob o específico prisma constitucional, receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições (...).

8 ANDRADE JUNIOR, Gilberto. Op. cit., p. 154


https://www.migalhas.com.br/depeso/438681/a-recuperacao-judicial-e-a-tributacao-do-desagio--cosit-74-25

Apuração de haveres e critério patrimonial no REsp 2.063.134/MG

06/10/2025 - 17:31

Apuração de haveres e critério patrimonial no REsp 2.063.134/MG

Por Juarez Arnaldo Fernandes e Adriano Henrique Baptista


A dissolução parcial de sociedades é sempre um terreno sensível do Direito Empresarial, sobretudo quando o contrato social não prevê de forma clara como devem ser apurados os haveres do sócio que opta por se retirar.

Este artigo se destina a elucidar três importantes pontos estabelecidos pelo STJ no julgamento do REsp 2.063.134/MG1: a exclusão dos lucros futuros da apuração de haveres, a fragilidade da perícia diante da ausência de documentos e a responsabilidade da parte que se omite em fornecer informações.

A iniciarmos pela exclusão dos lucros futuros da apuração de haveres, é pertinente iniciarmos com a definição de lucro. Conforme os ensinamentos de Alberto Asquini, o lucro é a remuneração típica do empresário, justamente por assumir riscos de duas naturezas: o técnico, ligado ao processo produtivo, e o econômico, relacionado à incerteza de que os custos serão cobertos pelos resultados. Nessa lógica, só há legitimidade em falar de lucro quando há quem assuma risco; quem se afasta da sociedade não pode projetar para si ganhos que já não depende de se realizar2.

Essa compreensão também explica o motivo de o legislador brasileiro, ao prever a aplicação do balanço de determinação na ausência de cláusula contratual, optou pelo critério patrimonial para a apuração de haveres.

A apuração com base no patrimônio efetivo da sociedade não elimina incertezas econômicas, mas as neutraliza: ao valorizar ativos e passivos existentes, oferece ao sócio retirante aquilo que de fato lhe pertence, sem transferir a ele riscos e oportunidades que pertencem ao futuro da empresa. Trata-se de um ponto de equilíbrio entre a proteção individual do dissidente e a preservação da coletividade societária.

Neste ponto, o judicioso voto de relatoria do ilustre ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, citando jurisprudência anterior da Corte, é assertivo ao pontuar que: "A avaliação pelo valor patrimonial evita que a expectativa de lucro futuro seja incluída no cálculo, o que configuraria uma distorção do próprio conceito de investimento na atividade empresarial (...). E, quando se diz que a avaliação deve se dar pelo critério patrimonial, significa que será levantado um balanço de determinação, no qual os bens e direitos serão calculados pelo valor de mercado, descontado o passivo, chegando-se no valor patrimonial da quota. É certo que o valor patrimonial a preço de mercado é figura de certo modo incoerente para a contabilidade; porém, para o Direito, significa que no balanço os bens depreciados serão considerados não pelo preço de aquisição, mas pelo valor que alcançariam caso vendidos na data da dissolução (preço de saída). (...). No que importa à perspectiva de lucros futuros, verifica-se que os ativos intangíveis precisam ser identificáveis, de modo que se possa diferenciar o valor de mercado do ágio derivado da expectativa de rentabilidade futura. Na apuração de haveres em decorrência da saída de um sócio, devem ser considerados os benefícios já gerados, e não a perspectiva de rentabilidade."

Protege-se, assim, a continuidade da atividade ao rejeitar a metodologia do fluxo de caixa descontado. É de se asseverar, no entanto, que não há óbice a se prever regras diferentes no contrato social, o que demanda uma análise pormenorizada e cuidadosa por parte dos profissionais.

O julgamento também chamou atenção para a qualidade da prova contábil.

No mencionado caso, o perito se valeu apenas de declarações fiscais e do Livro Diário porque os sócios remanescentes não apresentaram documentos mais completos, como balancetes, livros razão e balanços específicos.

Essa limitação fragilizou o laudo, que deixou de refletir com precisão a real dimensão do patrimônio social, pois as informações fiscais servem a propósitos declaratórios, mas não substituem demonstrações financeiras, que são o instrumento adequado para aferir a posição econômica da empresa.

Por sua vez, a conduta consubstanciada na omissão dos sócios remanescentes em entregar a documentação necessária à perícia, segundo definiu a Corte, não pode servir para reduzir artificialmente o valor da quota do sócio retirante, e caso o Judiciário admitisse esse tipo de manobra, estaria legitimando práticas de má-fé que corroem a confiança nas relações societárias.

Sobre o tema, Martins-Costa3 que "a boa-fé, como standard por excelência da conduta leal, atuará para conforma o exercício in concreto do dever de lealda, pontuando, inversamente, os limites opostos ao exercício societário desleal". Assim, o dever de lealdade apresenta-se, "em temas tais como o conflito de interesses, exclusão de sócios, ou quando os sócios assumem a posição de administradores, situação na qual os deveres que recaem sobre os administradores e sócios, muitas vezes, se sobrepõem", ou seja, os sócios têm o dever de lealdade e transparência, e esse dever não se esgota nem mesmo diante de litígios.

O judicioso voto do ilustre ministro relator bem evidencia essa disparidade ao dispor que: "Com efeito, ainda que na apuração de haveres seja vedada a inclusão das expectativas de resultados futuros, não pode o sócio dissidente suportar o prejuízo resultante da inércia da parte contrária em fornecer a documentação necessária à apuração do verdadeiro valor patrimonial da sociedade. Não sendo possível a realização da prova pericial por culpa dos demandados, deverão as instâncias ordinárias ponderar sobre a possibilidade de adoção do valor estimado, à luz das normas atinentes à distribuição do ônus da prova."

A decisão, diante de todo o contexto, cumpre um duplo papel ao resolver o caso concreto, mas também projeta uma orientação mais ampla: a apuração de haveres deve refletir o patrimônio real, sem ficções de lucros futuros, e precisa ser conduzida de forma transparente, afastando condutas estratégicas de ocultação documental. Trata-se, sobretudo, de um precedente pedagógico, que confere maior previsibilidade às dissoluções societárias.

Por fim, o REsp 2.063.134/MG reafirma a primazia do critério patrimonial na apuração de haveres, afastando a inclusão de lucros futuros e impondo a necessidade de transparência e de prova contábil completa, estabelecendo-se sanções ao sócio que deliberadamente omite documentos necessários à avaliação das cotas sociais.

_________

1 3ª. Turma, Relator Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, DJEN/CNJ de 18/8/25

2 ASQUINI, Alberto. Perfis da Empresa. Trad. de Fábio Konder Comparato. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 104, p. 109-126, out./dez. 1996, p. 110-111

3 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para sua aplicação. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 315/316


https://www.migalhas.com.br/depeso/441070/apuracao-de-haveres-e-criterio-patrimonial-no-resp-2-063-134-mg

A importância da contabilidade na recuperação judicial

02/09/2025 - 17:16

A importância da contabilidade na recuperação judicial

Por Juarez Arnaldo Fernandes.


A recuperação judicial é concebida como uma alternativa concreta para empresas em situação de crise. Através da Lei 11.101/2005, busca-se impedir que dificuldades financeiras levem diretamente à falência, assegurando a continuidade da atividade produtiva, a preservação de empregos e o cumprimento da função social da empresa. Porém, nenhum desses objetivos pode ser alcançado sem o suporte de um elemento indispensável: a contabilidade, conforme bem expõe o autor MARION: “A Contabilidade é o grande instrumento que auxilia a administração a tomar decisões. Na verdade, ela coleta todos os dados econômicos, mensurando-os monetariamente, registrando-os e sumarizando-os em forma de relatórios ou de comunicados, que contribuem sobremaneira para a tomada de decisões. [...] Mede o resultado das empresas, avalia o desempenho dos negócios, dando diretrizes para tomadas de decisões”. [1]

É a contabilidade que confere transparência e credibilidade ao processo, pois sem dados consistentes, não há como demonstrar a credores ou ao próprio juízo que a reorganização empresarial tem chances reais de prosperar. Mais do que simples números, balanços, relatórios e projeções revelam o retrato da situação financeira e, ao mesmo tempo, funcionam como guia para a construção do futuro.

Na prática, contudo, percebe-se que as informações contábeis nem sempre refletem de forma exata a realidade, havendo casos em que empresas pressionadas pela crise apresentam resultados artificiais ou projeções excessivamente otimistas. Embora essa não seja a regra, tais condutas fragilizam o plano, reduzem a confiança dos credores e comprometem a seriedade do processo.

Por isso, um plano de recuperação só se sustenta quando amparado em informações reais e verificáveis, cabendo à contabilidade identificar as causas da crise — endividamento elevado, redução de receitas ou falhas no controle de despesas — e, ao mesmo tempo, propor alternativas plausíveis de reorganização. Dessa forma, relatórios deixam de ser meros registros técnicos e passam a se constituir como instrumentos estratégicos de decisão, indicando se a manutenção da atividade empresarial é viável.

Esse papel se estende para além da homologação do plano, e durante a execução, a contabilidade permanece essencial, pois permite acompanhar o cumprimento das obrigações assumidas, avaliar a saúde financeira da empresa e verificar se as medidas adotadas produzem os resultados esperados. Em outras palavras, ela atua como um acompanhamento constante, medindo a efetividade do processo de reestruturação, com observância dos princípios de Contabilidade, diga-se, não são apenas formalidades, mas trata-se de requisito indispensável para conferir legitimidade às informações prestadas, fortalecer a confiança dos credores e assegurar que o processo de recuperação se desenvolva dentro da legalidade e da transparência necessárias ao êxito da reorganização empresarial.

Assim, mais do que um requisito normativo, a contabilidade é a ferramenta que dá concretude ao princípio da preservação da empresa, sendo por meio dela que todos os envolvidos — credores, magistrados, sócios e trabalhadores — têm acesso a uma visão clara e objetiva tanto da gravidade da crise quanto das reais possibilidades de superação.

Assim, torna-se evidente que a contabilidade não ocupa um papel secundário no processo de recuperação judicial. Ao contrário: é o seu eixo estruturante, e sem ela, qualquer tentativa de reerguer a empresa se tornaria um salto no escuro; com ela, abre-se a possibilidade de transformar a crise em um caminho sólido de continuidade e desenvolvimento.


[1] MARION, J. C. Curso de contabilidade para não contadores: para as áreas de administração, economia, direito e engenharia. 6. ed. atual. de acordo com a Lei n. 11.638/07. São Paulo: Atlas, 2009, p. 25/26


https://www.contabeis.com.br/artigos/72587/recuperacao-judicial-a-contabilidade-como-eixo-estruturante/

A recuperação judicial e a lavagem de dinheiro

19/08/2025 - 13:16

A recuperação judicial e a lavagem de dinheiro

De Adriano Henrique Baptista e Juarez Fernandes.


A recuperação judicial, concebida como ferramenta de proteção à empresa viável em crise, é um instrumento legítimo de reorganização econômica. Seu propósito, desde a promulgação da lei 11.101/05, é preservar a atividade empresarial, os empregos e os interesses de credores. No entanto, como acontece com tantas ferramentas jurídicas, seu uso também pode ser desvirtuado - e, nos últimos anos, tem sido crescente o número de casos em que a recuperação judicial se converte em meio de dissimulação patrimonial e lavagem de dinheiro.

A lavagem de dinheiro pressupõe, em essência, ocultar a origem ilícita de recursos por meio de operações aparentemente regulares, como bem nos ensina os juristas Bittar e Soares ao discorrerem que a lavagem de dinheiro "poderia ser conceituada como 'o processo em virtude do qual os bens de origem delitiva se integram no sistema legal com a aparência de terem sido obtidos de forma licita".

Nesse cenário, a recuperação judicial - especialmente em situações de crise contábil real ou simulada - oferece um ambiente propício à entrada, circulação e reintegração de valores contaminados por práticas criminosas. Ao se valer da complexidade do processo e da dificuldade técnica de análise profunda de ativos e passivos, grupos empresariais podem estruturar fraudes sofisticadas que escapam ao olhar comum.

A lavagem de dinheiro, de acordo com a doutrina de Fonseca, se desenrola em três fases complementares, sendo "um processo interligado para acontecer o final relativo à admissão de bens e valores decorrente de infração penal". Estas fases, segundo o mesmo doutrinador, são denominadas de Placement (colocação), layerung (ocultação ou dissimulação) e integration (integração), e quando articuladas com mecanismos empresariais e societários, as fases ganham maior complexidade e tornam a detecção do ilícito muito mais difícil.

Na colocação, o dinheiro obtido de atividades ilícitas é introduzido no mercado formal por meio de aportes em empresas, contratos fictícios, empréstimos simulados ou receitas forjadas, frequentemente utilizando companhias criadas exclusivamente para esse propósito.

Na fase de ocultação ou dissimulação, os recursos percorrem uma teia de operações destinadas a apagar seus rastros, passando por holdings, offshores, contratos entre partes relacionadas, aquisições simuladas e movimentações internacionais, especialmente em paraísos fiscais.

Por sua vez, na integração os valores retornam ao mercado com aparência de legalidade, apresentados como lucros distribuídos, investimentos em imóveis, reorganizações societárias ou negócios comerciais aparentemente legítimos.

Essa combinação entre as etapas da lavagem e o uso planejado de estruturas empresariais representa um dos maiores desafios para a fiscalização do administrador judicial e para a perícia contábil, que precisam decifrar cada operação para expor a verdadeira origem e finalidade dos recursos, de modo a se informar ao(à) Juiz(a) que preside o procedimento de recuperação judicial a real situação da empresa e a suspeita de fraudes contábeis.

Importante destacar, sobre o tema, a doutrina de Migliari Junior, que expõe que "na composição dos crimes falenciais/recuperacionais, todas as condutas são punidas a título de dolo, incluído o dolo eventual, não se podendo falar, em hipótese alguma, em crime culposo, pela sua simples razão de não existir".

Esse entendimento reforça que, em falências e recuperações judiciais, não há espaço para alegações de erro ou negligência, exigindo do julgador e dos órgãos de persecução penal uma análise rigorosa do comportamento do agente e a devida responsabilização criminal por suas ações.

A prática nos tem ensinado que uma das atitudes mais comuns, em situações da espécie, é a inclusão de credores fictícios no quadro geral de credores, ou seja, incluindo-se empresas que não mantiveram qualquer vínculo comercial real com a recuperanda, mas que aparecem na contabilidade como titulares de créditos vultosos, muitas vezes em nome de terceiros ligados aos próprios sócios. Ao aprovar e homologar o plano de recuperação, a Justiça reconhece tais créditos como legítimos, possibilitando que o dinheiro retorne aos seus controladores por meio de um fluxo "legalizado".

Permite-se, assim, além do retorno do dinheiro, a manipulação dos quóruns de votação, prejudicando-se os reais credores detentores de créditos legítimos, maculando-se inteiramente o procedimento.

Há também a manipulação contábil deliberada, onde ativos são superavaliados ou subavaliados conforme a conveniência do plano de soerguimento, despesas inexistentes são lançadas como forma de equilibrar balanços, e operações simuladas são documentadas com aparência de regularidade. Tudo isso cria um cenário que, à primeira vista, pode parecer coerente e tecnicamente aceitável, mas que, à luz de uma análise mais minuciosa, revela estratégias de dissimulação dolosa do patrimônio.

Nesses casos, Migliari Junior aponta que "a lei falencial/recuperacional foi mais específica ainda, apontando como crime a falsificação de escrituração contábil, seja ela obrigatória ou não, isto é, sendo que atualmente, pela LRE, não se fala mais em "livros obrigatórios", como de Registro de Entradas e Saídas, do Registro de Inventário, de Registro de Funcionários etc., mas, sim, em "documentos de escrituração contábil obrigatório" (art. 178, LRE), que é muito mais abrangente que a disposição primitiva".

A atuação do administrador judicial na supervisão das atividades da recuperanda, e da perícia contábil, são indispensáveis nesses casos, e um laudo realizado por um profissional mais competente pode apontar diferenças entre a realidade patrimonial da empresa e aquilo que foi declarado nos seus documentos contábeis.

Elementos como movimentações bancárias incompatíveis com os lançamentos, ausência de lastro documental para determinados créditos ou, ainda, vínculos ocultos entre credores e administradores, são indicativos claros de fraude, e sem a perícia ou uma equipe de administradores judiciais qualificada, esses elementos raramente surgem com clareza.

Outro expediente recorrente é a fragmentação societária estratégica. Várias empresas são mantidas formalmente separadas, mas operam de modo coordenado para confundir a origem dos recursos. Uma fornece insumos, outra emite notas, uma terceira aparece como credora e uma quarta movimenta os valores, tendo essa pulverização o propósito de diluir a responsabilidade e criar um labirinto jurídico que protege os reais beneficiários das operações. Trata-se de uma blindagem patrimonial montada com precisão técnica, difícil de desmontar sem uma articulação institucional.

Nesse contexto, torna-se urgente a adoção de mecanismos concretos de enfrentamento, tais como, e.g., o condicionamento da homologação de determinados planos de recuperação à apresentação de laudos de auditoria externa independente, especialmente nos casos em que houver indicativo de vínculos entre a empresa devedora e seus credores, ou a criação de sistemas de cruzamento de dados, que integrem informações fiscais, bancárias e societárias, gerando alertas automáticos para casos de incoerência contábil, fortalecendo-se, assim, os núcleos de investigação interinstitucional, com participação do Poder Judiciário, Ministério Público, COAF, Receita Federal, órgãos de fiscalização contábil e administradores judiciais capacitados.

Preservar a integridade da recuperação judicial exige mais do que boa técnica processual: exige discernimento para identificar quando um pedido de recuperação está a serviço da reestruturação legítima da empresa e quando é apenas uma fachada para proteger patrimônio oriundo de fraude, corrupção ou sonegação. O combate à lavagem de dinheiro, nesse ambiente, passa pelo encontro entre direito penal econômico, direito empresarial e contabilidade forense - e requer, antes de tudo, o compromisso ético das instituições e dos profissionais envolvidos no processo.

Quando a contabilidade se torna aliada da dissimulação, e a justiça empresarial é manipulada para legitimar o injustificável, não estamos diante de uma simples falha técnica: estamos assistindo à erosão silenciosa da confiança no sistema. O combate à lavagem de dinheiro na recuperação judicial é, acima de tudo, um dever moral das instituições, e um chamado à integridade de cada profissional envolvido.



https://www.migalhas.com.br/depeso/436499/a-recuperacao-judicial-e-a-lavagem-de-dinheiro

Entre em contato

Nossa equipe está sempre pronta para esclarecer suas dúvidas e ouvir suas sugestões e opiniões. Preencha o formulário ao lado ou entre em contato conosco pelas informações abaixo.